NEGRO ROM

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INICIATIVA QUE RECONHECE A DIFERENÇA

sexta-feira, 23 de abril de 2010

O Dia Que Carla Camuratti Achou Um Sorriso - 2ª Parte

As duas comunidades vizinhas são dominadas atualmente por uma mesma facção criminosa, mas na época em que esta história aconteceu, duas facções rivais diferentes dominavam uma comunidade cada.

Carla Camuratti, a atriz e cineasta, estava em evidência quando nossa Carla nasceu. Não era tão bela quanto a Carla cineasta, mas tinha seus encantos. Tinha, também, dificuldade de enxergar à distância por causa da miopia e do astigmatismo, que lhe obrigavam a usar óculos
constantemente. Seus óculos tinham uma bela armação, o que fazia seu encanto não ser tão afetado, muito pelo contrário, tinha um ar inteligente e sedutor ao limpar as lentes dos óculos e, vez em quando, ao meditar, mordia uma das extremidades da armação em poses que
ficariam perfeitas em anúncios de lentes tão comuns nas paredes das óticas.

Por ter aparência de professora desde pequena, decidiu que faria o 2°grau numa escola que oferecesse o curso de formação de professores. Achava linda a imagem de uma multidão de moças vestidas com blusa branca e saias de pregas azul-escuro, abraçadas com seus cadernos, que invadiam o centro de Nova Iguaçu vindas do colégio João Luis do Nascimento. “– Mãe, quero ser normalista quando crescer!” – Dizia Carla com uma empolgação que resistiu a passagem de tempo, alcançando a adolescência. Aqui a vemos já na época dos estágios.
Conseguiu uma vaga para estagiar na escola Anatole France. Esta escola fica no meio de uma das comunidades, entre a comunidade que podemos chamar de comunidade “A”, e Carla morava no centro da outra comunidade, que chamaremos de comunidade “B”. No meio do caminho, entre uma comunidade e outra, não havia apenas uma pedra, mas um lixão, os urubus, as torres de energia, os campos de futebol, os mortos, as balas traçantes e o medo que Carla sentia ao ter que passar sozinha pelo caminho das torres.

Caminhava com receio, olhando para os lados e para trás de si. Nesta manhã, uma mulher levava os filhos para escola, duas crianças que por já terem nascido no meio da violência, não tinham lembrança alguma da época em que a segurança não era uma preocupação tão grande. As crianças corriam brincando de bolinha de gude enquanto andavam, e se afastavam um pouco da mãe, que lhes gritava os nomes para que esperassem por ela. A mulher e os dois garotos estavam a cerca de 100 metros de distância de Carla, á sua frente. Por mais que andasse rápido, não conseguiria alcançá-los. Um pouco menos distante caminhava uma senhora idosa. Andava lentamente, o que fez com que Carla se perguntasse por qual motivo ela não optou por ir de ônibus. Mas, Carla sabia que ninguém iria escolher pegar um ônibus apenas para não passar pelo caminho das torres. Passar pelo caminho das torres é muito mais
rápido pois corta caminho. No caso de Carla, de sua casa até o ponto em que deveria descer para chegar ao Anatole, são apenas duas paradas. Quase não dá tempo de passar pela roleta e descer sem pedir para o motorista esperar um pouco.

O ônibus contorna um morro numa curva bastante acentuada para a direita, anda por uns 150 ou no máximo 200 quilômetros, faz nova curva para a esquerda, acelera um pouco e, depois de atingir uns 75 ou 80 quilômetros por hora, freia com força para não passar do ponto. Talvez
não mais que cinco minutos e todo um microcosmos que é o lixão do caminho das torres some completamente das vistas dos passantes. Mas ele ainda está lá, mesmo que não o vejam.

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