NEGRO ROM

NEGRO ROM
INICIATIVA QUE RECONHECE A DIFERENÇA

sábado, 3 de julho de 2010

Sobre Como Me Descobri Racista

(Peu)

Na última sexta-feira, amanhã fará exatamente uma semana, me descobri racista. Digo me descobri, mas deveria dizer que me desmascararam. Eu e minha esposa fomos numa cerimônia de casamento. Ela estava "um pouco" a trabalho, visto que é cabeleireira; estava preparada para imprevistos, principalmente com a dama de honra. A dama, uma menina de
9 anos, que durante a cerimônia ficou do lado de fora num carro esperando a hora de entrar com as alianças.

Eu fotografava a menina, enquanto um de nossos amigos, brincando, pegou as alianças da menina e pediu para que eu o fotografasse. Sua esposa falou de forma ríspida censurando-o: “W. você já é preto, não precisa ficar dando escândalo para aparecer.” Tive que me intrometer, disse-lhe: “Falando desse jeito você me ofende!” Eu, sinceramente, não estava preparado para a declaração seguinte: “Que isso Zé Carlos, deixa de ser racista. O W. é muito mais preto que você! Você é marrom bombom. Dizer que você é preto é racismo. Você tem de se aceitar como moreninho!”

Para mim este discurso foi algo novo. Eu me descobri racista, pois não me aceitava como uma pessoa morena, reivindicando minha negritude. Resolvi que não valia a pena correr o risco de estragar a cerimônia religiosa, explicando e me autodeclarando negro.

No fim de semana, não lembro exatamente se foi no sábado ou no domingo, no intervalo de algum jogo da copa do mundo de futebol transmitido pela Rede Bandeirantes, assisti uma propaganda dos postos Forza, onde um homem de fenótipo negro dizia ser muito importante que as pessoas escolham o melhor para si. Ele explica que sempre escolhe os melhores materiais para o seu negócio, para seu escritório. Até este momento, a cena se concentra apenas no rosto do homem. Depois que ele começa a concentrar sua fala no escritório, a cena abre para que possamos ve-lo. A imagem que surge é a de um táxi sendo abastecido no posto Forza.

O que me chamou a atenção neste comercial foi que passava a idéia de que o personagem vivido pelo homem negro era uma pessoa bem sucedida, tanto que possuía seu próprio escritório, seu próprio negócio.

Infelizmente, o anuncio meio que delimita as possibilidades de um homem negro, indicando que seu lugar social, de negro bem sucedido, é o volante de um táxi. Mais uma vez me veio à cabeça a declaração da esposa do meu amigo W. que resolveu me contar que sou
racista.

Nesta terça-feira (29/06/2010), atendi na biblioteca da Escola Livre de Cinema de Nova Iguaçu, onde realizo estágio de Pedagogia, um homem que solicitou um roteiro do Cacá Diegues para tirar algumas Xerox. Pedi que deixasse um documento seu, como de praxe, mas quando ele retornou conversamos bastante sobre cinema. Ele me mostrou fotos do seu celular dos bastidores das filmagens do filme ‘Os Mercenários’, do Sylvester Stallone. No meio da conversa, ele comentou sobre um ator negro de um seriado policial que se passa em São Paulo, e que ele conheceu recentemente. Ele disse que o cara era mais negro que eu. Eu não era negro, era apenas mulato. Apenas mulato. Isso é frustrante. A única coisa que me deu um pouco mais de alento nesta conversa foi que ele disse, também, que Barack Obama não era negro. Ambos, eu e o Obama, éramos moreninhos.

Numa única semana, três ocasiões distintas onde minha identidade negra foi questionada, ou ultrajada, com uma limitação de possibilidade profissional. Foi uma surpresa que a rede Forza não tenha apresentado um negro bem sucedido na sua carreira profissional como um frentista.
Enfim, eu era racista. Eu e o Obama éramos apenas moreninhos, e o mundo, o mundo é perfeito.

*Crônica escrita no dia 01/07/2010, 01:55 da manhã.

Um comentário:

mentira disse...

mundo invertido, vai entender... mas ainda bem que tem quem grite...
gostei muito do que escreveu
parabéns